quinta-feira, 22 de julho de 2010

X-Men 2 (2003)


                POLICIAL
           Coloque suas facas no chão!

                WOLVERINE
           Não tem como!

Direção: Bryan Singer

Roteiro: Michael Dougherty, Dan Harris e David Hayter, do argumento de Zak Penn, David Hayter e Bryan Singer. Do universo criado por Jack Kirby e Stan Lee.

Elenco: Logan/Wolverine (Hugh Jackman), Professor Charles Xavier (Patrick Stewart), Magneto (Ian McKellen), Jean Grey (Famke Janssen), Cyclops (James Marsden), Storm (Halle Berry), Rogue (Anna Paquin), entre outros.


É impressionante como este roteiro é bem amarrado. Os ganchos são um elemento fundamental para a composição de um roteiro. E neste filme há ganchos de todo tipo o tempo todo. Mas o que vem a ser um gancho?

O gancho nada mais é do que o elo que liga uma cena à outra, mais precisamente, é uma questão, assunto, tema, que de algum modo  relaciona as duas cenas, jogando-a constantemente para frente.

Vejamos no caso do X-Men 2.



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Cyclops passa ao lado deles. Coloca a mão no ombro de Logan.
   
               CYCLOPS
        Você chegou na hora certa.
        Hoje à noite, você será a
        baby-sitter.
          (Gesticula para as crianças)
        Todos na cama às onze, ok?!

Rogue e Bobby olham para cima, não estão felizes em ouvir isso. Logan observa-os sair, Jean volta para acenar adeus.

              
ROGUE
        Ele quis dizer à meia-noite.

              
LOGAN
        Às onze. Onde está o Professor.


19 INT. MANSION Xavier - Cérebro - MINUTOS MAIS TARDE

Xavier está no console, ajustando os controles.

               XAVIER
        Logan, meus pedidos repetidos
        para você não fumar na mansão
        não têm tido efeito, mas continue
        a fumar aqui ... e você vai
        passar o resto de seus dias
        acreditando que você é uma
        menininha de seis anos de idade.

Logan ESTÁ em pé na entrada, por trás do Professor, 

com um charuto na boca.

               LOGAN
        Você faria isso?

               XAVIER
        E eu deixaria a Jean fazer
        trancinhas no seu cabelo.

Logan apaga o charuto na palma da mão, e coloca o resto no 

bolso da camisa para mais tarde.

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A cena diz respeito ao momento em que Logan retorna à Mansão no começo do filme, ele chega, é recebido, pergunta pelo professor. Na próxima cena vemos o professor no Cérebro, Logan está atrás dele. Rapidamente sabemos que alguém disse onde o professor estava. As cenas foram ligadas.

Roteiristas profissionais muitas vezes esquecem este pequeno detalhe, e em muitos casos você acaba vendo cenas desconectadas. Porém geralmente, se o roteirista não faz esta articulação entre cenas, o diretor irá perceber, ou então o montador e com certeza irão consertar o trabalho mal feito.

Como tudo na vida que parece ser fácil, basta apenas uma pequena reflexão para vermos que nem tudo que parece, é.

Por exemplo, no livro do McKee, Story, ele fala sobre as  transições, (Não usa a expressão Gancho) vejamos:


"O Princípio da Transição

Uma coisa sem o senso da transição tende a tropeçar de cena em cena. Tem pouca continuidade porque nada liga os eventos. Quando desenhamos ciclos de ação crescente, devemos ao mesmo tempo criar uma transição para que o público passe suavemente de uma cena para outra. Entre duas cenas, portanto, precisamos de um terceiro elemento, que liga a cauda da cena A com a cabeça da cena B. Geralmente, achamos esse terceiro elemento em um desses dois lugares: o que as cenas têm em comum e o que elas têm de oposto.

Terceiro elemento é a articulação para uma transição; algo em comum entre duas cenas ou contraposto entre elas.

Exemplos:

1. Um traço de caracterização. Em comum: corte de uma criança mimada para um adulto infantil. Em oposição: corte de um protagonista desajeitado para um antagonista elegante.

2. Uma ação: Em comum: das preliminares do amor para o saborear do pós-sexo. Em oposição: do tagarelar para o silêncio frio.

3. Um objeto. Em comum: do interior de uma estufa para uma floresta. Em oposição: do Congo para a Antárdida. 

4. Uma palavra. Em comum: uma frase repetida de cena para cena. Em oposição: do cumprimento para o xingamento.

5. Uma qualidade de luz. Em comum: das sombras da alvorada para as cores do crepúsculo. Em oposição: do azul para o vermelho.

6. Um som. Em comum: de ondas lambendo a costa para a respiração de alguém que dorme. Em oposição: da seda acariciando a pele para o ranger dos pneus.

7. Uma idéia. Em comum: do nascimento de uma criança para a abertura de uma pela. Em oposição: da tela vazia de um pintor para um velho agonizando.

Após um século de cinema, clichês de transição abundam. Ainda assim, não podemos recusar a tarefa. Um estudo imaginativo de quaisquer duas cenas encontrará uma ligação."(Story, p.286)


Neste caso, porém, acho que poderíamos ir além da explciação de McKee.

"Uma coisa sem o senso da transição tende a tropeçar de cena em cena. Tem pouca continuidade porque nada liga os eventos. Quando desenhamos ciclos de ação crescente, devemos ao mesmo tempo criar uma transição para que o público passe suavemente de uma cena para outra".

MacKee chega a esboçar a questão, mas acho que faltou acrescentar a questão da causalidade. Vejamos o que David Bordwell nos diz:

"Cada cena apresenta etapas distintas. Inicialmente temos a exposição que especifica o tempo, o lugar e os personagens relevantes – suas posições espaciais e seus estados mentais atuais (geralmente resultados de cenas anteriores). No meio da cena os personagens agem no sentido de alcançar seus objetivos, lutam, fazem escolhas, marcam encontros, determinam prazos, planejam eventos futuros, No curso de sua ação, a cena clássica, ou conclui os desenvolvimentos de causa e efeito deixados pendentes em cenas anteriores, ou abre ao mesmo tempo novas linhas causais pra desenvolvimento futuro. Uma linha de ação, ao menos, deve ser deixada em suspenso para servir de motivação à próxima cena, que retoma a linha deixada pendente...” (BORDWELL, D. O Cinema Clássico Hollywoodiano: Normas e Princípios Narrativos. in: RAMOS, Fernão (org) Teoria Contemporânea do Cinema. Volume II – Documentário e narratividade ficcional. São Paulo. Ed Senac, 2004, p.277-301.)


Porém, não basta apenas que uma cena dialogue com a outra, estabelecendo uma relação visual ou conceitual, a relação deve também e principalmente ser de causa e feito, de modo que jogue a história constantemente para a frente (ou para trás, dependendo da proposta).


Dica de exercício.

Reassista ao filme e tente prestar atenção em todas as transiçoes de cenas e perceber seus ganchos.

Para baixar o roteiro clique AQUI!

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