terça-feira, 27 de julho de 2010

Depois do Vendaval (The Quiet Man - 1952)


                 MICHALEEN FLYNN
           Impetuoso! Homérico!


Direção: John Ford


Roteiro: Frank S. Nugent, do argumento de Maurice Walsh e a colaboração de John Ford


Elenco: Sean Thornton (John Wayne), Mary Kate Danaher (Maureen O'Hara), Michaleen Oge Flynn (Barry Fitzgerald), Father Peter Lonergan (Ward Bond), "Red" Will Danaher (Victor McLaglen), Reverendo Cyril Playfair (Arthur Shields), entre outros.


Este é, sem dúvida, dos filmes que vi de John Ford, o melhor, o que mais gosto. Há vários motivos, os atores, a história, o roteiro... ops, como assim a história e o roteiro? Não são a mesma coisa a história e o roteiro?


Não, não são. Por isso vamos falar da distinção entre fábula e Syuzhet, ou mais conhecida como trama.


A Fábula, de acordo com Tomachévski, diz respeito à história em sua cronologia original, tanto em duração como na ordem dos acontecimentos. Todas as ações e fatos que ocorrem que influenciam, ou não, o desenrolar da história.


Vejamos. Em The Quiet Man a fábula diz respeito ao nascimento de Sean Thornton, a imigração de sua família para o EUA, sua infância dura e dificil, os tempos de juventude enquanto trabalhava na construção civil, a descoberta do Boxe, o começo na carreira do Boxe, sua ascensão, suas vitórias, até o dia que em uma luta mata um adversário que ele respeitava, um lutador honesto e pai de família. Não conseguindo lidar com a culpa, Thornton decide retornar à sua terra natal, a Irlanda, mas precisamente Innesfree. 


Além disso, na Irlanda, temos a vida de Mary Kathe, seu nascimento, sua infância, a morte da mãe e do pai. O irmão mais velho, rabugento e tirano, mas a quem Mary Kate sempre enfrentou corajosamente. Ainda o fato de Mary Kate trabalhar para cuidar da casa do irmão e ainda trabalhar para conseguir juntar o seu dote para o casamento e o temor dela em não conseguir casar.


Além da história de Sean e Mary kate, podemos ainda adentrar a história de Michaleen, um intelectual Ébrio que faz citações literárias, citando Homero, por exemplo, e o que é melhor, sem pedantismos. MIchaleen recebe Sean em seu retorno à Irlanda e é uma espécie de autoridade moral local, mas em seu passado, tudo indica ligações com o IRA. Em uma cena no bar, dois rapazes, que não sabemos muito bem quem são retornam à Innesfree e dizem a Michaleen que a guerra acabou, ao qual ele retruca: "Ainda assim, eu não perco a esperança". No final da história, quando da luta entre Thornton e Danaher, este último, ao ver junto da imensa truba que se aproxima para verem a peleja, diz aos dois jovens que conversavam com Michaleen: "Vejo a mão do IRA nessa confusão!" Ao que um dos jovens respondem, "Se houvesse mão do IRA não sobraria pedra sobre pedra de sua casa!"


Mas poderíamos ficar detalhando todas as histórias de todos os personagens, até mesmo focalizar a história do IRA e das lutas da Irlanda. Tudo isto faz parte da fábula.


Por sua vez, a Syuzhet, ou a trama, é a forma como organizamos estas informações. Vejam quantas possibilidades temos. Podemos focar em qualquer uma das histórias citadas e tomá-la como foco narrativo, uma vez que seria impossível contar todas as histórias ao mesmo tempo ou pelo menos no mesmo filme. No caso de Nugent, Walsh e Ford eles preferiram centrar o foco narrativo em Sean Thornton e no momento de seu retorno à Innesfree.


Mas não é só a escolha do foco narrativo que define a Trama, ou Syuzhet. John Ford é um cineasta que adora fazer estes exercícios formais. 


Em The Man Who Shot Liberty Valance, ele deixa tanto Ransom Stoddard (James Stewart), como o espectador pensarem que fora Stoddard que matara Liberty Valance (Lee Marvin) num duelo, para depois, Tom Doniphon (John Wayne) dizer o que realmente aconteceu, e então, temos a cena, em flashback, mostrando o fato. 


Em The Searches, por sua vez, Ford utiliza-se da carta de Martin Pawley (Jeffrey Hunter) para Laurie Jorgensen (Vera Miles), e conforme, pela carta, sabemos tudo pelo qual Pawley e Ethan Edwards (John Wayne) tem passado e quais os efeitos do que eles estão enfrentando no local de origem deles, um imediato é o fato de Laurie decidir casar-se e esquecer de vez Pawley.


Em The Quiet Man o arranjo se dá principalmente em função de esconder o passado de Thornton nos EUA. Temos pistas a seu respeito quando o Reverendo Playfair (Arthur Shields) faz menção de que Thornton era famoso nos EUA e era um "campeão" de algo.


Quando temos uma corrida de cavalos, a qual Thornton vence, temos uma pista falsa, pois ao final da corrida, o Reverendo novamente chama Thornton de campeão, o que pode sugerir que Thornton pudesse ter sido um jóquei.


Porém, é no momento em que Thornton toma um soco de Will Danaher que ele cai desmaiado e temos um flashback lembrando dos seus motivos para não mais lutar.


A trama, é arranjada de modo que só descobrimos isto depois, pois se ela fosse seguir a fábula de modo linear, teríamos um filme onde a discussão sobre o boxe ocuparia o eixo central, ou talvez, a escolha tenha se baseado nas motivações artísticas de John Ford.


Mas enfim, é esta a diferença entre trama e fábula, a fábula, a grosso modo é o que se conta, em todos os detalhes, enquanto a trama, ou Syuzhet, é o modo como você arranja os acontecimentos para contar a fábula.






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