MR PINKMAN Quem está ai? (Surpreso) Mas quê diabos você está fazendo aqui?
Escrever que Breaking Bad (Br+Ba) é excepcional, é fácil.
Fácil tanto por não se aprofundar na afirmação quanto por ser esta opinião um
consenso.
Eu vi toda a série até o último episódio, Gliding Over
All, que foi ao ar no dia 2 de setembro e, enquanto aguardo ansioso pela
conclusão da série em 2013, estou revendo tudo com atenção. Realmente, eu
poderia discorrer infinitamente sobre inúmeros elementos do seriado, sua
dramaturgia, estrutura, seus personagens, diálogos, etc. Mas, como tenho feito
no blog, vou me ater a elementos particulares de alguns episódios e cenas.
Antes de começarmos, aviso para quem não assistiu que aqui
teremos um SPOILER, visto ser um plot que trabalha com uma SURPRESA. Então,
quem não viu ainda, comece logo a assistir ao seriado! O episódio em questão é o quarto da primeira temporada, Cancer
Man, quando Skyler descobre e conta para toda família sobre o câncer de Walter. Porém, apesar do plot de Walter ser central, o plot sobre Jesse me
chamou bastante a atenção, pois descobrimos um pouco mais sobre ele.
1 - Jesse tem delírios paranóicos e foge de sua residência.
Por volta de 1/3 do episódio, Jesse Pinkman depois de
exagerar no uso de metanfetamina, tem delírios paranóicos. Ele vê dois
motoqueiros ameaçadores chegarem à porta de sua casa e se dirigirem para ela
com granadas e facões. Jesse, apavorado, foge de casa pelos fundos e pula
o muro da residência vizinha.
Depois que Jesse foge, o “narrador” revela ao “espectador”
que os dois “motoqueiros ameaçadores” nada mais eram do que dois mórmons em seu
trabalho de pregação da bíblia.
Depois, acompanhamos Walter White, num momento privado,
quando ele cura os ferimentos causado por KrazyEight, depois o desenvolvimento
dos problemas familiares de Walter White com sua esposa e com seu filho entre
outras ações que não nos interessam agora (mas seriam importantes se
estivéssemos estudando a estrutura narrativa do episódio e de como o plot de
Jesse se insere no todo, o que não é o caso, pois só estou escrevendo sobre
como a surpresa será construída especificamente no plot de Jesse.)
2 – Uma família típica, a qual não conhecemos, janta feliz.
Logo depois de acompanharmos W.W., nos vemos diante de uma
família típica, bem estruturada com um filho muito jovem e prodigioso. Eles
jantam e conversam sobre as assombrosas habilidades do moleque, parecem muito
felizes e estáveis. Logo, ouvem um barulho no quintal. Este barulho no quintal automaticamente nos faz lembrar que
Jesse, numa crise paranóica, pulou o muro de sua casa para a casa vizinha. O
clima de felicidade na casa da família que agora acompanhamos o jantar, e o
contraste com o estado psicológico de Jesse nos faz temer pelo que pode
acontecer, afinal, será que Jesse enlouquecido pulou neste quintal e em sua
alucinação irá atacar esta família feliz?
3 – O pai da família decide verificar o barulho.
O homem decide ir ver o que causou o barulho no quintal.
Eles estão com um pouco de medo. Uma série de questões e expectativas se forma
na cabeça do espectador. Será que é Jesse que está no quintal? Será que irá
atacar a família feliz? Será que o homem irá pegar uma arma e sair no quintal e
ao ver Jesse irá atirar nele? Será que o homem vai chamar a polícia? Será que
Jesse vai ser preso e correr o risco de entregar Walter White.
4 – Descobrimos se tratar da família de Jesse.
O homem vai ao quintal e se depara com alguém em uma
situação patética, alguém que tropeçou em uma mesa e enroscou o pé em uma
cadeira e não consegue sequer equilibrar-se. O homem pergunta quem é e percebe
(antes do espectador) tratar-se de Jesse. Jesse se levante e chama o homem de
pai, depois chega a mulher e o menino, e Jesse os cumprimenta, sem jeito e de
longe, sua mãe e seu irmão. Então nos surpreendemos! Toda a construção dramatúrgica nos
leva a crer numa situação de perigo (a oposição entre o quadro psicológico de
Jesse e o clima amoroso do jantar, a família perfeita e o junkie problemático
Jesse, não conseguimos associá-lo ao universo deste lar todo amoroso e
tranquilo). Todo o contexto é construído neste sentido, e todas aquelas dúvidas
que tínhamos posteriormente do que poderia ter acontecido; Jesse atacar a
família, o homem atirar em Jesse ou chamar a polícia, não se realizaram. Algo
inesperado aconteceu. Jesse é a ovelha negra desta família.
Na primeira vez que vi fiquei bastante impressionado com o
contraste da situação e da caracterização dos personagens, elementos que tanto
neste episódio, como nos posteriores irão revelar mais sobre o personagem de
Jesse e da relação com sua família, sobretudo com algumas surpresas ainda mais
interessantes.
"É perigoso debruçar-se sobre o caráter de outra pessoa'. Strindberg agia como um médico, da mesma maneira que Ingmar Bergman (que claramente o influenciou). Como exemplo do que é um 'caráter', ele dá o seguinte, entre outros: 'Conheço uma freira que estimo muito, porque sei que é sincera. Mas sei que ela é muito sensível aos prazeres materiais e mesmo que bebe um pouco. Quando percebi isso, julguei-a hipócrita, mas, depois de algum tempo, tudo se esclareceu pra mim. Ela é freira porque é sensual. Não representa o papel de devota, faz penitência para vencer as suas más inclinações. Já não vejo mais contradições nisso; no entanto, receio que frequentemente os religiosos escondam tendências criminosas."
Este trecho pode ser encontrado no texto "Personagens e Acontecimentos", no livro "Prática do Roteiro Cinematográfico", escrito por Bonitzer e Jean Claude Carriére.
"Ibsen é Grande poeta. Além disso, é dono de uma habilidade teatral quase diabólica. Nem em Sófocles nem em Shakespeare há nada que possa se comparar à infabilidade da composição dramatúrgica em 'Kongsemnerne' e 'Espectros'. Mais do que nos casos de Shakespeare e Moliére, convém salientar que Ibsen foi antes de tudo, um playwright profissional. Tudo em sua obra, as cenas, os diálogos, os incidentes, parece naturalíssimo, como na vida de todos os dias: mas é uma ilusão magistralmente criada, pois tudo aquilo esta rigorosa e sabiamente subordinado à construção dramatúrgica". Otto Maria Carpeaux. História da Literatura Ocidental. Volume III. Capítulo III. A Conversão do naturalismo. P. 1986.
Quero compartilhar uma tradução feita por mim de um trecho do livro "Writing for Emotional Impacts" de Karl Iglesias.
Mas antes de ir para o texto em si, algumas observações. Eu procurei a cena em questão na internet, mas não a encontrei completa. Por isso postei a mesma no momento do texto em que ele pedirá que você a assista.Porém, se você realmente se interessa por roteiro e dramaturgia sugiro que tenha este filme sempre à mão, pois ele é magnífico! Caso te interesse, você pode adquiri-lo através deste LINK. Depois de discutir inúmeras técnicas e ferramentas para a escrita, Karl Iglesias utiliza seus recursos para a análise da cena.
"A Cena em Ação"
"Vamos ver uma cena clássica de “O Silêncio dos Inocentes”, filme muito aclamado pela crítica e um dos grandes favoritos do público, adaptado do romance de Thomas
Harris por Ted Tally. A cena em questão é a qual Clarice Starling confronta
Hannibal Lecter pela quarta e última vez, desesperada por uma última pista que a
ajude a pegar Buffalo Bill. Escolhi esta cena porque é um das mais fascinantes,
hipnotizantes, e mais intensas que já li e vi. Após a análise, creio que
entenderá o por quê. Ela também contém muitas das técnicas apresentadas neste
capítulo. Uma vez que o roteiro é um pouco diferente do filme, eu vou usar uma
transcrição em vez das páginas do roteiro. Sugiro que você veja a cena primeiro
e sinta seu efeito emocional, e depois, leia a cena algumas vezes para perceber
as técnicas em ação."
"No filme, a cena tem sete minutos de duração, mas por causa
do desespero de Clarice e da tensão do contexto, parece ter apenas sete
segundos. Começando pelos elementos básicos de uma cena dramática, sabemos que
a cena se passa à noite, no quinto andar da Sociedade Histórica County Shelby,
em Memphis, que foi fechada para acomodar uma cela especial para Lecter. Como
em seus encontros anteriores, esta cena é de Lecter. Embora ele seja o
prisioneiro, ele sabe que detém o poder por ter as informações que Clarice quer.
Ele também é mais velho e mais sábio, enquanto Clarice é uma aprendiz. Lecter
quer entrar na alma de Clarice e se alimentar das experiências traumáticas da
infância dela. Por sua vez, Clarice quer pegar Buffalo Bill. Ela suspeita que, na
cena anterior, Lecter tenha dado pistas falsas, pois a promessa de Clarice, -
de uma cela especial em uma ilha com vista para o mar -, se mostrou falsa.
O conflito de ambos os personagens é claro. As apostas são
altas para Clarice. A cena tem um começo, meio e fim, com dois pontos de virada.
A cena tem um arco dramático que começa no negativo para Lecter – ele ainda é um
prisioneiro, sem nenhuma recompensa por sua ajuda, e ansioso pelos segredos
emocionais de Clarice. E termina no positivo - Clarice revela o evento traumático
de sua infância, o que faz com que Lecter revele informações que ajudam Clarice
salvar Catherine de Buffalo Bill. Esta é uma cena de perseguição e captura para
Lecter. Aqui estão as batidas individuais que compõem a cena:
Dentro da cela, o Dr. Lecter senta-se em uma mesa, lê, de
costas para Clarice.
LECTER
(sem se virar):
Boa noite, Clarice.
Batida # 1 - Clarice
pede desculpas e tenta mostrar seu lado bom. Ela devolve os desenhos apreendidos
de Lecter, coloca-os próximo das grades da cela
CLARICE
Achei que gostaria de
ter seus desenhos de volta, doutor. Só até conseguir sua vista para o mar.
LECTER
Muito atenciosa... Ou
Jack Crawford a mandou fazer uma última tentativa... antes que vocês
dois sejam chutados do caso?
CLARICE:
Não, eu vim porque
quis.
Lecter se vira e a encara (Nota do tradutor)
LECTER
As pessoas vão dizer
que estamos tendo um caso.
Batida # 2 - Lecter a
repreende pela mentira tola sobre a vista.
LECTER
(Estala com a lingua
diversas vezes)
llha Anthrax... Foi um
toque muito especial, Clarice. Ideia sua?
CLARICE
Foi.
LECTER
Yeahh. Essa foi boa. Mas
lamento pela coitada da Catherine. Tic-tac, tic-tac...
Batida # 3 - Clarice mostra astúcia, que pode descobrir as pistas falsas de Lecter.
CLARICE
Seus anagramas estão se
denunciando, doutor. Louis Terrefedo? Sulfeto de ferro. Também conhecido como
''ouro de tolo''.
LECTER
Oh, Clarice, seu
problema é que precisa se divertir mais.
Batida # 4 - Clarice
quer mais pistas sobre Buffalo Bill. Lecter responde indiretamente,
provocando-a.
CLARICE
Você estava me dizendo
a verdade lá em
Baltimore. Por favor, continue.
LECTER
Bem, eu li as pastas
do caso. Você leu? Tudo que precisa descobrir está naquelas páginas.
Batida #5 – Clarice
está impaciente e desesperada, o tempo está se esgotando.
CLARICE
Então, diga-me como.
LECTER
Os princípios básicos,
Clarice. Simplicidade. Leia Marco Aurélio. De cada coisa em particular,
pergunte: O que é isto em si? Qual é a sua natureza? O que ele faz? O que ele procura?
CLARICE
Ele mata mulheres.
LECTER
(repreende Clarice com firmeza)
NÃO, isso é
incidental. Qual o princípio do que ele faz? A que necessidade atende matando?
CLARICE
Raiva... aceitação
social... frustração sexual...
LECTER
NÃO! Ele cobiça. Essa
é a natureza dele. E como começamos a cobiçar, Clarice? Buscamos coisas a que
cobiçar? Faça um esforço para responder logo.
CLARICE
Não, nós só...
LECTER
NÃO, começamos a
cobiçar o que vemos todos os dias. Não sente os olhos que percorrem seu corpo,
Clarice? Seus olhos não procuram as coisas que deseja?
CLARICE
Tudo bem, sim. Agora,
por favor, diga-me como.
Batida #6 – Lecter
vira o jogo a seu favor, quer saber mais sobre o passado de Clarice, é o
primeiro ponto de virada da cena.
LECTER
Não. É sua vez de
falar, Clarice. Não tem mais férias a vender. Por que saiu da fazenda?
CLARICE
Doutor, não temos mais tempo para isso agora.
Batida #7 – Lecter insiste, Clarice se desespera.
LECTER
O tempo não corre da mesma maneira para nós dois, não é? Este é todo o tempo de que dispõe.
CLARICE
Mais tarde. Por favor,
escute. Só temos cinco...
Batida #8 – Lecter
insiste novamente. Clarice finalmente se rende.
LECTER
NÃO! Vou ouvir agora. O
assassinato de seu pai a deixou órfã aos 10 anos. Foi morar com primos numa
fazenda de carneiros e cavalos em Montana. E... ?
CLARICE
Numa manhã, eu
simplesmente fugi.
LECTER
Não ''simplesmente'',
Clarice. O que a fez fugir? Começou a que horas?
CLARICE
Cedo, ainda escuro.
LECTER
Aí, algo a despertou. Foi
um sonho? O que foi?
CLARICE Ouvi um ruído estranho.
LECTER
O que foi?
CLARICE
Foram... gritos. Uma espécie de grito, como a voz de uma
criança.
LECTER
O que você fez?
CLARICE
Eu fui... lá para
baixo. Para fora. Me esgueirei até o celeiro. Estava com medo de olhar lá
dentro, mas tinha de olhar.
LECTER
E o que você viu,
Clarice? O que você viu?
CLARICE
Cordeiros. Eles gritavam.
LECTER
Estavam abatendo os
cordeiros na primavera?
CLARICE
E eles gritavam.
LECTER
E você fugiu?
CLARICE
Não. Primeiro, tentei
libertá-los. Abri a porteira do celeiro.
Eles ficaram parados, confusos. Não conseguiam fugir.
LECTER
Mas você podia fugir e
fugiu, não?
CLARICE
Sim, peguei um
cordeiro e corri o máximo que pude.
LECTER
Para onde estava indo,
Clarice?
CLARICE
Não sei. Não tinha
comida ou água... e estava muito frio. Estava frio demais. Eu pensei... Pensei que se pudesse salvar um
só... mas ele era tão pesado. Ele era
tão pesado. Tinha corrido poucos quilômetros quando o carro do xerife me pegou.
O fazendeiro ficou tão zangado que me mandou para um orfanato. Nunca mais vi a
fazenda.
LECTER
O que houve com seu
cordeiro, Clarice?
CLARICE
Eles o mataram.
Batida #9 – Lecter
relaxa, ele compreende o passado de Clarice.
LECTER
Ainda acorda no meio
da noite, não é? Acorda no escuro... e ouve os gritos dos cordeiros?
CLARICE
Sim.
LECTER
E pensa que, se salvar
a coitada da Catherine... poderá fazê-los parar, não é? Acha que, se Catherine
escapar... nunca mais vai acordar no escuro... com os horríveis gritos
dos cordeiros.
CLARICE
Não sei. Eu não sei.
LECTER
Obrigado, Clarice. Obrigado.
Batida #10 – Clarice
desesperada espera o que Lecter prometeu. Mas eles são interrompidos pelo Dr.
Chilton – o segundo ponto de virada da cena.
CLARICE
Diga-me o nome dele,
doutor.
Eles ouvem a porta se abrindo.
LECTER
Dr. Chilton, suponho. Acho
que se conhecem.
Dr. Chilton aparece com Sgr. Pembry and Boyle ao seu lado.
Dr. Chilton
Nós a encontramos. Vamos.
Batida #11 – Clarice
insiste.
CLARICE
É sua vez, doutor.
Dr. CHILTON
Fora!
CLARICE
Diga-me o nome dele.
SGT. BOYLE
Desculpe, moça, tenho
ordens de colocá-la num avião.
LECTER
Corajosa Clarice. Me
avisará quando os cordeiros pararem de gritar, não é?
CLARICE
Diga-me o nome,
doutor!
Batida #12 –
Lecter agradece Clarice por tê-lo deixado ver sua alma, e diz adeus de
maneira apropriada, no clímax da cena.
LECTER
Clarice! Sua pasta.
Clarice se desvencilha dos policiais e corre para a cela de
Lecter. Quando ela chega às grades para pegar o arquivo da mão estendida de
Lecter, seus dedos se tocam.
LECTER
Adeus, Clarice.
Clarice abraça a pasta ao peito, olha para Lecter enquanto
os homens a afastam dali.
O que faz desta cena tão fascinante é, naturalmente, a
relação improvável entre os dois personagens. Alguns elementos sugerem uma
história de amor, e esta cena pode ser vista como uma cena de amor entre os
dois desenvolvida na revelação íntima de Clarice sobre os cordeiros gritando, e
um toque físico final, quando por um momento, seus dedos se tocam (um momento
chocante) – claramente, há muito subtexto nessa cena. Mas há outras técnicas
que adicionam impacto emocional ao invés de transformá-la em uma cena
expositiva. Nas mãos de um escritor amador, esta cena poderia ter ficado
maçante. Em vez disso, Thomas Harris no romance, e Ted Tally na adaptação,
utilizaram diversas técnicas, dentre as quais, estas:
Paleta Emocional:
Motivações dos personagens; o desespero de Clarice pela ajuda de Lecter.
Desespero que aumenta com o desenvolver da cena, e ela se rende ao jogo de
Lecter, o que a ajuda a purgar seus próprios demônios. Para Lecter, suas ações
são motivadas pela frustração inicial ao ter sido enganado, porém, ele
realmente gostaria de ajudar Clarice e desafiá-la, como um bom mentor deve
fazer, e, finalmente a sua intensa curiosidade sobre o passado de Clarice. Os
escritores também se preocuparam com a resposta emocional ao leitor e tiveram
cuidado com o conflito na cena – Clarice precisa desesperadamente de pistas
para pegar Buffalo Bill e provar seus valor, por sua vez, Lecter não quer compartilhar estas pistas
depois de ter sido enganado com a falsa o promessa de uma cela com uma vista
para uma paisagem.
Por si só, estes elementos já seriam suficientes para se
escrever uma cena interessante. Mas há mais. Há a dúvida se Lecter revelara
alguma pista que ajude Clarice, e o interesse pessoal de Lecter no passado de
Clarice, que ele irá utilizar como “pagamento” pela pista. O passado de Clarice
se revela aos poucos através de um interrogatório com diálogo ativo, perguntas
e respostas que constroem uma vitrine emocional do conflito interior de Clarice.
Há também uma inversão do clichê dos filmes policiais, uma vez que é o
prisioneiro que acaba interrogando o agente do FBI.
O Contraste é evidente em toda a cena, podemos notar
diversas oposições: (Clarice livre, Lecter preso), entre os personagens (bem
contra o mal), entre os comportamentos individuais (natureza violenta de Lecter
e depois a suave carícia no dedo de Clarice), e entre as batidas da cena (desde
o desespero de Clarice e a sua lenta e longa revelação). A revelação de Clarice
sobre os cordeiros gritando é uma surpresa, tanto para Lecter como para o
espectador. É também uma revelação de caráter que ilumina as motivações de
Clarice e que fizeram com que ela se tornasse uma agente do FBI e proteger
aqueles que são vulneráveis. Além disso, esta informação serve como um “resolução”
emocional estabelecida entre Clarice e Lecter no encontro anterior, quando ela
começou a compartilhar seu passado através do acordo Quid
Pro Quo.
Os desenhos de Lecter, que Clarice devolve depois do Dr.
Chilton tê-los confiscado, podem ser visto como um elemento a dar bastante significado
à cena. Eles podem ser vistos como uma demonstração de amizade, um símbolo da
compaixão de Clarice para Lecter, ou um suborno para fazer com que ele fique
mais disposto a ajudar.
Há um equilíbrio muito bem delineado entre satisfação e
frustração nas batidas da cena. Olhe para cada uma das batidas e observe como
Clarice consegue o que quer de Lecter – mas não como ela esperava – Lecter
desafia-a até entregar a resposta de que o assassino cobiça. Inicialmente, Lecter
também se frustra quando Clarice se recusa a revelar o seu segredo, mas ele
insiste e se satisfaz com a rendição de Clarice. Em poucas batidas e viradas de
cena, Lecter vai desde exigir que Clarice revele seu segredo sobre os cordeiros
até o ponto em que decide ajudá-la. Porém, o Dr. Chilton interrompe a ligação
entre tutor e aluno no momento exato em que Clarice receberia sua resposta.
Por fim, o modo como Clarice e Lecter são separados é tenso
– O Dr. Chilton e dois policiais escoltam Clarice com truculência para fora,
mas não sem antes ela reagir e voltar até Lecter e recuperar seus arquivos. A
interrupção do Dr. Chilton é também uma justaposição de dois conflitos
simultâneos – Chilton Vs. Clarice e Chilton Vs. Lecter.
E é assim que se cria uma cena fascinante.
A partir de agora, você tem algumas técnicas para elevar sua
escrita a um nível profissional. Você já leu sobre elas e viu algumas
funcionando em uma cena clássica. Agora é hora de colocar seus conhecimentos
para melhorar seus roteiros."
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Este trecho é parte do capítulo, Scenes: Mesmerizing Moments, do livro "Writing for Emotional Impact", de Karl Iglesias.