terça-feira, 27 de abril de 2010

Entrevista com Fernando Meirelles

Para melhorar precisamos de mais filmes

Luiz Felipe Reis

Fernando Meirelles não é apenas um dos mais bem sucedidos realizadores da retomada – como foi chamado o período de “renascimento” do cinema brasileiro, após a estagnação provocada pelo fim da Embrafilme no governo Collor – que completa 15 anos em 2010. Presidente do júri do Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF), que destaca a produção desta fase como mote de sua 4ª edição (realizado entre terça-feira até 2 de maio, na capital mundial do cinema), o diretor é o dono do filme brasileiro de maior repercussão no cenário internacional ao longo destes anos. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Cidade de Deus (2003) se transformou em referência estética e temática da produção cinematográfica nacional da última década.

Em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, Meirelles ressalta os benefícios da implementação das leis de incentivo em meados dos anos 90, analisa a evolução técnica e intelectual da produção cinematográfica nacional ao longo da retomada e revela detalhes de suas novas criações à frente da O2. Há 18 anos à frente da produtora, ele acredita que a retomada “reciclou e continua reciclando” o cinema brasileiro. E é por isso que ele não para. Está envolvido nos longas VIPs(Toniko Melo), Xingu (Cao Hamburguer), no documentário José e Pilar, na série para TV Brazucas, outra chamada provisoriamente de São Jorge, assim como no documentário Lixo extraordinário, sobre um trabalho de Vic Muniz, premiado em Sundance e em Berlim.

– É mais coisa do que eu deveria abraçar – comenta o diretor, que após Ensaio sobre a cegueira já se prepara para um novo longa próprio. – Começo a rodar em agosto, mas só vai ser anunciado em maio.

Além da criação das leis de incentivo, quais outros componentes possibilitaram a retomada? – As leis viabilizaram este renascimento.

A partir daí, com o aquecimento do mercado surgiram novas escolas de cinema e uma geração de novos diretores, fotógrafos, montadores, figurinistas etc. Hoje há muito mais cabeças pensando e fazendo cinema no Brasil do que há 15 anos. Agora, quando um filho diz aos pais que quer fazer cinema, eles já não se perguntam onde erraram.

Até então, a produção anual não chegava nem a 10 longas por ano. Hoje chegamos perto de 100 filmes anualmente.

Esse crescimento foi acompanhado por evolução em quais setores dentro da cadeia produtiva? – Em A dialética da natureza, (o filósofo Friedrich) Engels diz que tanto no mundo social como no natural podemos ver como a quantidade se transforma em qualidade. Ele só se esqueceu de dizer que no mundo do cinema isso também acontece. O cinema americano nos parece melhor que o nosso porque eles produzem perto de mil longas por ano. Do total, apenas os 6% ou 7% melhores chegam aqui, e mesmo assim muita porcaria.
Os filmes americanos que gostamos não passam de 2% do total.

E sendo generoso... Para termos um cinema melhor precisamos de mais produções. Isso significa mais equipes treinadas, mais talentos surgindo e melhores filmes lançados.

Você poderia eleger um filme símbolo da retomada? – Hámuitos.Carlota Joaquinanos devolveu a esperança de que seria viável fazer filmes no Brasil, Central do Brasil que voltou a colocar nosso cinema no mundo, Tropa de eliteque conseguiu gerar um debate nacional como a muito não se via no cinema, a série de sucesso de bilheteria dos filmes do Daniel Filho que reforçam a ideia da viabilidade de uma indústria brasileira, os filmes do Guel Arraes, que aproximam o cinema da TV.

O Daniel Filho, que é o maior arrecadador desde a retomada, diz que é impossível fazer os seus blockbusters sem o apoio das leis de incentivo. Essa evolução não foi capaz de impulsionar a criação de uma indústria de cinema...

– Não é possível financiar filmes no Brasil apenas com bilheteria.

Também sinto que os mecanismos de financiamento não devem ser vistos como uma situação temporária. Assim como o Estado deve investir em educação e saúde pública, deve fazer o mesmo em cultura. É curioso como ninguém acha que um hospital público ou um submarino precisam ser negócios autossustentáveis, mas na área de cultura cobra-se isso. Numa economia ou num mundo sustentável o trabalho deveria sair da área de produção e consumo de bens e migrar para a educação e cultura, que são atividades não só mais limpas como também geram mais felicidade.

Como vê o gargalo de distribuição para os filmes autorais feitos neste período? Um diretor como Júlio Bressane, por exemplo, mal consegue salas...

– Quando o Bressane faz um filme sem concessões sabe que está estreitando as suas chances de distribuição no mercado. É uma opção e estou certo que ele sabe disso. Sou sócio de um cinema em São Paulo, o Belas Artes, e tentamos prolongar ao máximo a exibição de filmes que tiveram menos chance, mas de que gostamos muito. Às vezes deixamos filmes que fazem 40 ou 50 espectadores por semana por 21 dias em cartaz mesmo sabendo que estamos subsidiando a exibição, mas chega uma hora que a sala precisa voltar a vender ingressos.

Nós, que fazemos e amamos cinema, lutamos para fazer isso, mas imagine se uma empresa cujo objetivo é comercial vai ter esse raciocínio.

Você se preocupa com esse tipo de dualidade entre comercial X autoral? – Não penso dentro destes parâmetros, mas claro que sei o que significam. O que me incomoda nesta polarização é que ela nos leva a acreditar, erroneamente, que um filme que vende muitos ingressos não tem qualidade artística e que um filme autoral não interessa ao grande público. Há muitas áreas cinzentas entre este preto e branco...

Virou moda diretores lançarem seus filmes anunciando expectativas de que o filme bata a casa do milhão. Como vê essa corrida do ouro? –Ainda bem que existem excelentes diretores que fazem filmes que levam milhões de pessoas ao cinema. Este troço funciona um pouco como o mundo da moda ou da Fórmula 1. É preciso ter aqueles que correm mais riscos e experimentam para que a linguagem e a técnica evoluam, mas também são importantes os outros, que adaptam estas invenções para o grande público e que, no fundo, são os que viabilizam e justificam as experimentações.

Quando um artista quiser testar os limites de suas ideias ou de sua subjetividade às vezes é melhor escrever um poema. Cinema não é a forma mais adequada para a expressão pessoal. É trabalho de muitos para muitos.
Cidade de Deus’ foi um dos maiores sucessos do cinema brasileiro no exterior. Até que ponto esse ‘fetiche’ pelo cinema que aborda a violência ou questões sociais engessa a multiplicidade temática e a recepção internacional da nossa produção? – Cidade de Deus e outros filmes que mostram a exclusão urbana no Brasil interessaram ao mercado internacional por serem diferentes.

Por mostrar um mundo que era desconhecido. Para ver uma comédia romântica ou um drama sobre classe média, cujos problemas são muito semelhantes em toda parte, o mercado internacional prefere ver os filmes que são produzidos em suas terras ou em suas línguas. Mas isso é só uma hipótese. Estamos produzindo um filme chamado Xingu, que vai ser dirigido pelo Cao Hamburguer. Esse filme, por se tratar de índios e ter um roteiro brilhante, deve ter uma boa aceitação internacional.

Qual a importância de um festival como o LABRFF? Além disso, o que lhe atraiu na ideia de presidir o júri? – Todo encontro da classe gera uma espécie de sinergia, nascem parcerias. Aliás, entrei no júri pela possibilidade assistir a 15 filmes brasileiros recentes que talvez não visse no cinema por razões diversas. A seleção traz filmes regionais, outros sobre classe média urbana, comédias, dramas adolescente, histórias rodadas fora do Brasil, filmes de gênero e documentários. Apesar de faltar bons filmes brasileiros que vi no ano passado, é uma mostra plural que espelha a diversidade de caminhos do cinema feito aqui.

Até que ponto um festival neste molde serve para dar visibilidade internacional à produção brasileira, abrir caminhos para a exibição de filmes no circuito americano, mesmo que seja o alternativo? – O festival é recente e festivais, assim como jornais, precisam de tradição para ganhar credibilidade. Mas é uma janela, pode gerar venda ou convites da indústria local. LA é um lugar onde fazer cinema é tão natural como colher cacau na Bahia ou abafar escândalos em Brasília.

Como você define sua filmografia? Que tipo de cineasta é Fernando Meirelles? – Acho que eu sou mais um contador de histórias eficiente do que um “autor” naquele sentido francês da palavra. Não faço filme de arte e nem filme para arrebentar na bilheteria, não que não gostasse que isso acontecesse.

Acho que meu nicho é o que o mercado internacional chama de smart art.

Filmes com alguma pegada, mas que falam com certo público.

O tal do cinza.

Domingo, 25 de Abril de 2010

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Para AQUI acessar o link original do Jornal do Brasil OnLine.

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