sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

"Paul Schrader - Além da Tela Prateada"


Desde os videogames até a realidade da TV, nós somos bombardeados com narrativas e estamos mergulhados em histórias, diz o lendário roteirista Paul Schrader. O cinema tradicional irá sobreviver? Ou ele irá sucumbir ao “esgotamento da narrativa”?  

Roteiristas adoram reclamar. Eles são desrespeitados pelos produtores, são considerados dispensáveis pelos diretores, não são devidamente creditados pelos críticos, são tratados como empregados pelos atores - embora poucos se queixem por serem historicamente e cronicamente muito bem pagos. Outra coisa da qual eles não se queixam é do "esgotamento da narrativa", embora isso pese muito em suas mentes. Para roteiristas, queixar-se da escassez de idéias originais seria como um vendedor de reclamar da falta de estoque. E isto não é bom para o negócio. 

Escritores sempre souberam que há um número limitado de histórias. A teoria dos sete plots básicos de Christopher Booker popularizou o número sete, mas outros têm argumentado que são três, 20 e 36 plots básicos - Rudyard Kipling disse 69. Isso não é novo. Nós estamos contando variações das mesmas histórias continuamente. Mas isto não é o que quero definir como o “esgotamento da narrativa”. O que é novo é a onipresença e ubiqüidade dos plots criado por proliferação das mídias. Somos inundados por narrativas. Nós estamos nadando em histórias.


Vamos mastigar alguns números hipotéticos. Analisemos uma pessoa com acesso a mídia, digamos, com 30 anos de idade. Chame-o de Ollie Oprimido. Quando o bisavô de Ollie tinha 30 anos, talvez ele tivesse visto 2.500 horas de narrativa audiovisual (plot). Seu avô, com 30 anos, teria visto cerca de 10.000 horas. Seu pai teria vist 20.000 horas. Ollie em 2009, com 30 anos, viu cerca de 35.000 horas de narrativa audiovisual. Estes não são números concretos. Eu não li nenhum estudo com este propósito. Mas isto me parece correto.

Estas são 35.000 horas de plotagem. Filmes, programas de televisão, desenhos animados, vídeo clipes, YouTube. Histórias longas e curtas: comédias adolescentes, novelas, histórias de amor, noticiários, dramas históricos, efeitos especiais extravagantes, horror, pornografia, sabichões, ignorantes, hora após hora, dia após dia, ano após ano. Isso é um monte de narrativa. É cansativo.


O que isto significa? Para um contador de histórias, isto significa que há uma dificuldade crescente para estar à frente das expectativas do público. Todos os assuntos possíveis não tem sido apenas tratados, mas tratados exaustivamente. Quantas horas de trama de assassinos seriais a média dos espectadores já viu? Cinqüenta? Cem? Ele viu as narrativas básicas, as permutações dos enredos, as imitações das permutações dos enredos e as permutações das imitações. Como é que um escritor captura a imaginação de um espectador profundo conhecedor do sub-gênero de assassinos seriais? Torná-lo ainda sangrento? Foi feito. Mais perverso? Já foi visto. Serial killer com humor? Já tivemos. Como paródia? Bocejo. O exemplo do subgênero serial killer é um pouco simplista, mas o que é verdade para as histórias de assassinos seriais é válido para todos os temas de filme. Familiares de policiais? Casais Gay? Políticos corruptos? Desajustados encantadores? Bocejo, bocejo, bocejo. 

Isto torna-se dolorosamente claro para qualquer escritor que tenta contar a sua história oralmente (o roteirista está mais próximo da tradição oral do que a literatura). Você começa a contar uma história, tenta chamar a atenção do ouvinte, então basta ver como Ollie Oprimido empacota a sua história e a coloca em uma “caixa”. Ele viu tantos enredos que ele já tem as “caixas” preparadas. Apenas bota aspas em torno da premissa e a arquiva: ‘Ah, este é o filme dos "dois casais em uma viagem" ou o filme dos" seis homens em um barco salva-vidas". Eu conheço este filme. A mente de Ollie opera como a de editor de história. "E então ele vai para onde pode encontrá-la", o roteirista diz - "e ele a encontra nua, enforcada em um gancho no banheiro", Ollie o ouvinte pensa: eu conheço este filme.

Originalidade, sempre foi algo escasso. Será que a proliferação dos meios de comunicação significa que é mais difícil ser original hoje do que era há 50 anos? Bem, sim. os espectadores de hoje vivem em uma biosfera de narrativa. Vinte e quatro horas por sete dias, multimédia, o tempo todo. Quando um contador de histórias disputa a atenção do espectador, ele não concorre apenas com narrativas, ocorrem simultaneamente, ele concorre com as variações de sua própria narrativa. E esta concorrência é real. A barra de originalidade foi levantada. O mercado de mídia valoriza a algo "novo" ou "fresca" e, ao mesmo tempo, inunda seus telespectadores com narrativas contínuas e concorrentes. 

Os críticos e comentaristas gostam de dizer coisas como "Eu adoro uma história de amor à moda antiga", ou um bom "mistério de assassinato à moda antiga”. Mas qual é sua resposta quando se deparam com isso? Adjetivos como "cansado", "banal", "originalidade", "datado" e "prosaico". O que é que um escritor tem de fazer? Trabalhar cada vez mais fora dos limites da narrativa tradicional, por causa disto. Este esgotamento da narrativa está por trás da ascensão da "recente" contra - narrativa do entretenimento, tais como:

  1. Reality TV. Qualquer espectador regular sabe que a realidade da TV segue suas próprias fórmulas de dramaturgia, mas a aparência de ser improvisado é essencial ao seu apelo. Cansado de tanta trama previsível, o espectador cansado prefere a "realidade".
  2. Narrativa anedótica. A atração de filmes como Slacker e sua derivados mumblecore é o prazer de ver o comportamento livre de artifício da trama. Não é "fake", não "inventada" (embora seja claro que é).
  3. Reenactment drama.Quer seja baseado em eventos famosos ou menos conhecidos,o entretenimento reenactment vende a premissa de que esses eventos realmente aconteceram e não foram cozidos por uma equipe de escritores (embora, novamente, se realmente não são cozidos, eles foram temperados e servidos por escritores).
  4. Videogames. A capacidade de o espectador a participar no processo de narração cria uma ilusão de não-artifício.
  5. Mini-mini-dramas. Histórias apelativas de três a cinco minutos criadas para telefones celulares, o YouTube e “original programming[1] é a ilusão de narrativas de não criadas. Apenas pedaços da vida. 
  6. Documentários. Desde seu início, uma forma de entretenimento filmado, documentários históricos são os primos pobres do cinema comercial e têm crescido em número e em audiência, o aumento deveu-se em parte ao desejo dos espectadores em olhar para além das narrativas previsíveis.

O que mais? Escrever para formatos baseados na previsibilidade e na repetição (telenovelas, procedimentos criminais, desenhos de super-heróis), reembalar enredos velhos com novas estrelas e procure por esse indefinível "toque" original que faz uma história antiga ser novidade. E esperem. Esperem as mídias emergentes para definirem novas necessidades de narrativas.


Contar histórias começou como cerimônia e evoluiu para o ritual. Foi comercializado na Idade Média, tornou-se um grande negócio do século 19 e uma indústria internacional no 20. Hoje é o papel de parede onipresente da era pós-moderna. Como os roteiristas, lutamos com o nosso próprio sucesso. Temos decorado nosso mundo e agora não podemos chegar a ninguém para mostrar a imagem que acabamos de criar. Este não é um grande negócio. Não é uma crise. O esgotamento "da narrativa" não é uma crise com desenvolvimento autônomo, e sim uma de uma série de de crises que afligem o cinema atual.


Os filmes foram a forma de arte do século 20. O conceito tradicional de cinema, uma imagem projetada em um quarto escuro cheio de espectadores, soa cada vez mais velho. Eu não sei o que o futuro do entretenimento áudio-visual vai ser, mas eu não acho que isso será o que costumamos chamar de cinema. A narrativa vai sofrer mutação e resistir. Entretenimento, o áudio-visual está mudando e a narrativa vai mudar com ele. 



Paul Schrader é um renomado roteirista norte-americano e possui em seu curriculum trabalhos como A ùltima Tentação de Cristo, Touro Indomável e Taxi Driver. Para saber mais, acesse
http://www.imdb.com/name/nm0001707/

Este artigo foi publicado em inglês pelo The Guardian, o texto original está disponível no link: http://www.guardian.co.uk/film/2009/jun/19/paul-schrader-reality-tv-big-brother 


A tradução foi feita por mim e agradeço qualquer crítica ou sugestão.

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[1] Creio que este deve ser um termo específico para definir algum tipo de produção particular.





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