domingo, 24 de janeiro de 2010

"Laís Bodanzky - Exibir um filme no Brasil é tão difícil quanto realizar um filme"




Laís Bodanzky
Criadora do projeto Cine Tela Brasil, que leva longas a lugares onde eles nunca seriam vistos, a cineasta conta o que aprendeu lidando com quem está em frente à tela

 
Gilberto Amendola
gilberto.amendola@grupoestado.com.br 

Desde de 1996, a cineasta Laís Bodanzky, 40 anos, tem realizado sessões de cinema para pessoas que nunca tinham pisado em uma sala de exibição. Com o projeto Cine Tela Brasil (que, no início, chamava-se Mambembe), ela já percorreu quase 300 cidades e promoveu mais de 3 mil sessões. Só em 2009, cerca de 200 mil expectadores tiveram a oportunidade de assistir a um longa nacional. Nesta entrevista, concedida em sua produtora há duas semanas, a diretora de Chega de Saudade (2008) também fala sobre seu novo filme, As Melhores Coisas do Mundo, previsto para abril de 2010. Laís ainda diz ter ‘medo’ da televisão e defende o cinema popular.



A ideia do Cine Tela Brasil era chegar a lugares distantes do País, onde o cinema nacional não está tão presente?

A gente não tinha isso claro no começo, sabe? Era para exibir nossos filmes e os filmes dos colegas. Era a vontade de fugir do mundo das mostras e dos festivais - que de certa forma atendem sempre ao mesmo público. A gente quis furar esse bloqueio. A ideia é levar o cinema brasileiro para quem não tem acesso. Para quem mora onde não tem sala de cinema ou para quem não tem dinheiro para pagar ingresso.



Nem precisava ir tão longe, não é? Quase não tem sala de cinema na periferia de São Paulo.

Foi o que a gente viu. Não precisa se afastar muito para entender isso. Fiz apresentações na Praça da Sé, em Santa Cecília e naqueles arredores. A maioria dos presentes nunca tinha pisado em um cinema. Nas escolas, quando perguntamos quem nunca viu um filme no cinema, mais da metade levanta a mão.



Aí vem um filme como ‘Avatar’ e ocupa mais da metade das salas da cidade...

A relação ‘público e sala de cinema’ é uma piada. Mas tem espaço para crescer, sou otimista. Tem que ter uma política cinematográfica, não adianta eu achar que vou dar conta do País inteiro. Mas o Cine Tela Brasil é um bom modelo. Exibir um filme é tão difícil quanto realizar um filme.



Foram mais de 3 mil sessões, você deve ter colecionado reações emocionadas e incríveis.

É muito comum as pessoas virem falar com a gente no final dos filmes. Elas quase sempre contam histórias que têm a ver com o que acabaram de assistir. Tem gente que se arruma, coloca a melhor roupa, e leva toda a família para a sessão. Exibimos filmes até em um assentamento de sem-terra, onde tinha acabado de acontecer um confronto e uma chacina. Foi uma experiência muito forte.



Como são essas sessões?

As sessões são participativas. Não é o mesmo silêncio da maioria das salas de cinema. As crianças aplaudem e tal. Elas têm sempre muita energia. As pessoas agradecem porque o projeto faz com que elas ocupem o espaço público.



Existe uma preocupação em exibir filmes com mensagem?

Ali percebo que o cinema vai além do entretenimento. Passa pela cidadania e a educação. Os professores podem, por exemplo, trabalhar o filme em sala de aula. Mas não separo entretenimento e cultura. Para mim, é uma coisa só.

O seu projeto contempla oficinas de cinema também. Vocês pedem para os jovens filmarem...

Sim, e sabe o que a gente descobriu? Que a realidade na periferia não é só violência. Os jovens que moram nessas comunidades não nos trazem histórias de morte e tiros. Ao contrário, a periferia está cheia de histórias de amor.

Acha que os filmes brasileiros estão conseguindo dialogar com esse público?

Como recebemos muita gente em nossas sessões, não colocamos filmes radicais ou de experimentação. Buscamos filmes que esse público quis ver no cinema, mas não conseguiu. Mesmo que não exista um cinema em determinada cidade, os moradores sabem o que está acontecendo e sendo exibido nas grandes capitais.

Essa experiência de levar cinema para as pessoas tem influenciado os seus filmes?

Muito. Caiu a ficha que, se a mensagem não chega ao receptor, tudo se perde. O que é a dificuldade da profissão, não é? Você tem que se expor em um filme, perceber se os outros se emocionaram, se entenderam e tal. A gente tem que se comunicar. As pessoas gostam mais dos filmes que têm a ver com o mundo delas. O cinema brasileiro tem força com esse chamado “público popular brasileiro”. O brasileiro gosta de se reconhecer nas telas e escutar um filme em sua própria língua.


Você acha que esse entendimento tem ajudado a suavizar aquela velha ideia de que só os ‘filmes- cabeça’ têm valor?

A crítica ainda divide muito o que é cinema cultural do que é cinema comercial. O cinema que eu penso é um cinema onde tudo isso vai estar junto. Eu quero falar com muita gente, sim. Isso não é pecado. É possível fazer cinema com linguagem e proposta, mas que toque e provoque muitas pessoas. O legal é emocionar.

Acha ruim o cinema ficar cada vez mais parecido com a TV?

A priori, não é ruim. Mas temos que lembrar que Besouro, por exemplo, é um filme na contramão do que faz sucesso e foi muito bem de público. A população quer se emocionar e dar risada. Ninguém obriga ninguém a entrar na sala e comprar ingresso. Carandiru, Cidade de Deus até Dois Filhos de Francisco são filmes que não têm a ver com televisão, mas com o que nós somos. Com nossa história.

Já viu o filme ‘Lula - O Filho do Brasil’, que esteve no Festival de Brasília recentemente?

Vi e gostei muito. Acho que ele é um bom exemplo. É a cara de um projeto como o Cine Tela Brasil. Uma maneira interessante de contar a história recente do País, através do nosso presidente, que também é um ótimo personagem. O filme nos dá a oportunidade de conhecer a história dele e do Brasil.

Não ficou maniqueísta?

Não achei o filme maniqueísta. Além do mais, ele provoca outros desdobramentos. Rende debates em sala de aula, na família, com os amigos... Não é um filme a que você assiste e diz: “Ah, vamos votar na candidata que o Lula apoiar”.

Mas essa é uma questão que vai aparecer com força...

Vai. Mas a eleição acaba no ano que vem, o filme fica. Talvez neste ano (2010), a questão seja essa, mas tenho certeza que, em seguida à eleição, o filme sobrevive. Talvez pessoas querendo um cinema mais sofisticado fiquem decepcionadas, mas tem público para Lula - O Filho do Brasil.

E o seu próximo filme, ‘As Melhores Coisas do Mundo’? Ele vai falar sobre jovens, algo raro no cinema brasileiro.

É, esse público está dando bobeira. Mas os jovens assistem a muitos filmes. Visitei escolas, fiz uma pesquisa de campo e perguntei pra eles o que gostariam de ver em um filme sobre sua geração. Eles me pediram para não fazer um filme de adolescente americano. Embora assistam e gostem desses filmes, querem uma coisa mais próxima da nossa realidade.

Descobriu alguma coisa muito diferente nesta pesquisa com os adolescentes?

Adolescência é adolescência sempre. Eles acham que estão vivendo tudo a primeira vez, mas eu conseguia entender seus dramas, dificuldades, dúvidas e amores. Eu já passei por tudo isso. Sabe quando você descobre o tamanho do mundo e tropeça? Isso é a adolescência...


Vai abordar temas polêmicos?

Passa por sexo, drogas... Tem tudo isso e muito mais.


Quando você dirigiu ‘Bicho de Sete Cabeças’ (2001), os apoiadores fugiam porque o filme falava em drogas. Há avanços nisso?

Avançamos.


Quem avançou? O “sistema” ou hoje você é uma diretora reconhecida e com portas abertas?

Começar é sempre difícil, mas hoje existem caminhos, leis, editais que ajudam muito. Na época do Bicho, eu não tinha como acreditar, era quase impossível fazer. Eu tinha certeza que não ia terminar o filme. Eu chegava em casa e chorava.



Que cinema você tem como referência?

Woody Allen. Ele é incrível, sempre muito bom. É um cinema de personagens, de histórias do cotidiano, sempre com um pouquinho de fantasia. Adoro o humor dele. Eu só não entendo como ele filma em uma velocidade tão curta, como consegue dirigir e atuar, como consegue escrever e produzir. Ele só melhora. Eu adoro o Vick Cristina Barcelona. Fiquei muito tocada com a sutileza dos relacionamentos, das pequenas emoções.

O ambiente no set de filmagem é importante?

Tem estresse. Nunca fiz um filme sem estresse. Mas não quer dizer que eu saia berrando pelo set. Só que o processo de criação é complicado, um tiro no escuro. No cinema, tudo é muito caro e o taxímetro não para.


Tem vontade de dirigir TV?

Eu só fiz um documentário para televisão. Mais nada. Sabe de uma coisa? Eu tenho um pouco de medo. TV tem um processo muito rápido. Me assusta essa produção tão acelerada. Sinceramente, não sei se tenho esse ritmo. Ainda acho muito difícil manter a qualidade em uma velocidade assim. Mas tenho curiosidade. Adorei, por exemplo, o seriado Som & Fúria, do Fernando Meirelles.





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