domingo, 15 de agosto de 2010

A Origem (Inception) 2010





                       
                             

                            ARTHUR
                          Paradox!


Direção: Christopher Nolan


Elenco: Cobb (Leonardo DiCaprio),  Arthur (Joseph Gordon-Levitt), Ariadne (Ellen Page), Eames (Tom Hardy), Saito (Ken Watanabe), Yusuf (Dileep Rao), Robert Fischer (Cillian Murph), Mal (Marion Cotillard), Peter Browning (Tom Berenger), entre outros.

Há definititivamente muitas coisas para falar sobre o Inception e vou me ater às questões das citações e ibnfluências. No que diz respeito ao cinema, há duas para as quais quero chamar a atenção. É claro que como Bordwell e Kristin Thompson já salientaram em seus artigos, há uma série de referências a Griffith e seu Intolerância e ao Tio Patinhas (ver o texto de Kristin Thomas Aqui, "Based on Uncle Scrooge? That’s rich!"), não falarei sobre estas influencias, mas sobre outras duas.

Uma delas é sem dúvida a Sam Peckinpah.

Peckinpah, dentre muitas coisas, é conhecido pelos seus planos em slow motion em meio a cenas de ação. Geralmente, no meio de um tiroteio, um homem toma um tiro e vai caindo lentamente, enquanto o tiroteio continua de maneira frenética. O efeito cria um dilatamento no tempo e permite, de certo modo, uma suspensão e  consequente acentuação daquele momento particular do homem que foi alvejado, que é o momento de sua morte.

Embora não se trate de um efeito de dar ênfase em um momento de morte, Nolan se utiliza do recurso, mas com outra função, a de diferenciar as temporalidades distintas do sonho. Em Inception me pareceu bastante clara a inspiração peckinpahniana na cena da Van caindo da ponte sobre o Rio.

Outro cineasta que me parece influenciar com muito mais peso o trabalho de Nolan é , sem dúvida, Andriêi Tarkóvski, um cineasta que escreveu um livro chamado justamente, Esculpir o Tempo. Mas independente da discussão sobre o tempo, vejo uma inspiração direta do filme Soliáris em Inception. 

Em Soliáris, Kelvin (Donatas Banionis) é designado para uma missão em uma base espacial na órbita do planeta Soliáris para compreender os estranhos acontecimentos ocorridos na estação espacial e nas profundezas do universo. No entanto, a verdadeira jornada de Kelvin será rumo ao seu inconsciente, numa jornada de auto-conhecimento profundo onde deverá aprender a lidar com o sofrimento pela morte da esposa, Hari (Natalya Bondarchuk).

Em Inception, podemos dizer algo parecido. Cobb (Leonardo DiCapriodeseja poder rever seus filhos, mas é procurado pela morte da esposa. Para poder rever os filhos ele deve aceitar a proposta de Saito (Ken Watanabe) e realizar a inserção de uma idéia no inconsciente de Robert Fischer (Cillian Murph), porém para tal jornada ele deve mergulhar em níveis cada vez mais profundos do inconsciente de Fischer. 

A idéia é de natureza político-econômica e diz respeito a Fischer, que acabou de herdar o maior conglomerado de energia do planeta do pai. A missão é inserir no inconsciente de Fischer que ele divida seu império, fragmentando assim o monopólio da energia mundial. Porém, o grande desafio de Cobb não manipular o inconsciente de Fischer, mas sim lidar com a perda de Mal(Marion Cotillard), sua esposa. A discussão econômica-política é o "McGuffin" da história, o que realmente importa é como Cobb irá resolver seus problemas inconscientes.

Neste paralelismo de buscas, Kelvin por entender o sistema de Soliáris, mas que na verdade precisa compreender a si mesmo e a lutar por sua alma, e Cobb em lutar contra o monopólio da energia mundial, temos homens lutando, na verdade, com as profundezas de seus inconscientes. para mim, Nolan, claramente filia-se à tradiação ética e estética da qual Tarkóvski faz parte.

No entanto,creio que os méritos de Nolan sejam imensos.

Tarkóvski nunca acreditou no mercado cinematográfico, e sempre acreditou que um cineasta íntegro jamais poderia ser um grande sucesso de público, sobretudo em Hollywood. Dizia ele que um homem que fizesse um grande projeto comercial, jamais faria o seu "verdadeiro" filme. Creio que Nolan, de uma maneira totalmente positiva, mostrou que Tarkóski poderia estar um pouquinho enganado. 

Tarkóvski mesmo dizia ser o cinema uma arte muito jovem, cujo potencial só agora começa a ser vislumbrado, neste sentido, não apenas compartilho de suas idéias, como é justamente por elas, que nutro por Tarkóvski um respeito único como cineasta e teórico do cinema. E acredito que Nolan mostrou-se merecedor deste respeito.

Mas a despeito destas considerações, voltemos a outros aspectos significativos do filme.

Ainda no âmbito das influências, creio que mais duas devam ser consideradas, são elas o trabalho de Freud, O Livro dos Sonhos, mesmo que de maneira, digamos um pouco instrumental, mas não superficial.

A idéia de "chute" é totalmente fundamentada no texto clássico de Freud, fiquei extasiado quando aplicam um "chute" em Cobb logo no início do filme, jogado-o dentro da banheira e seu sonho é inundado por um imenso tsunami. 

Quando li o Livro dos Sonhos, tive uma idéia parecida, mas que infelizmente não consegui dar forma, mais um mérito de Nolan conseguir tranpor isto cinematograficamente isto de maneira tão brilhante e original.

Por fim, e isto tem muito a ver com a dramaturgia do filme (tanto que poderia dar um outro tópico sobre o filme, são as influência de Maurits Cornelis Escher.

Eu acredito que como alguns tem feito, de considerar a dramaturgia do filme em níveis é equivocada. Ao meu ver não se trata de estabelecer um nível de realidade de onde os personagens atuam entrando em níveis cada vez mais profundos do mundo onírico. Trata-se na verdade de um círculo no qual adentramos e voltamos circularmente. Neste sentido os desenhos de Escher dizem mais do que minhas palavras.





Por isso a escolha da frase de Arthur para abrir este tópico, é um "Paradoxo". A circularidade do enredo, para mim, confirma-se com o fato de que, quando Cobb procura por Saito no limbo ele encontra um Saito velho. 

Então eu pergunto; se conforme nos aprofundamos nos níveis de sonho, o tempo aumenta, se na "realidade" uma hora pode ser 10 no primeiro nível de sonho, se o sonho do segundo nível equivale a dias da "realidade", no terceiro nível equivale a meses eno limbo, simplesmente pode ser imensurável, por que Sato envelheceu tanto no Limbo? O tempo não deveria fluir cada vez mais devagar? Por qeu no limbo o tempo passou tão rápido para Saito?

Ao meu ver, a questão é esta, o sonho é um círculo, que como a Oroboros, devora seu próprio rabo. E por isso o pião não deixa de girar.

De certo modo, não há, no filme, o nível de "realidade". O filme todo é um sonho e é esta a charada.



2 comentários:

Unknown disse...

De fato, muito bem colocada a referência a Escher. Lembrei também da banda de Moebius, uma estrutura que foi muito utilizada justamente pelo psicanalista Lacan pra tratar dessa questão do paradoxo das relações dentro/fora, interno/externo, verso/reverso, de como vc andando pela mesma superfície passa de um lado pro outro.
Achei bem original essa questão dos vários níveis do sonho. Mas no Freud a questão me parece ser diferente... a coisa se concentraria na dificuldade e necessidade de se traduzir o desejo inconsciente para o consciente.
Quando vc citou o Tarkóvski achei curioso, pq tinha pensado em outra referência, no Espelho e não no Soláris. Até pela forma estética, pela dificuldade que tive de entender o filme, pela sensação de vertigem em vários momentos, onde parece se ter uma fragmentação da narrativa. Fiquei com a impressão de que terei que assistir pelo menos mais 5 cinco vezes o filme...

Daniel Maciel disse...

João, valeu pelo post
MAs o lance que eu elogiei no que diz respeito ao Freud, foi só o lance do "chute", que acho ser uma aspecto até mesmo fisiológico mesmo, de como o cérebro faz a transição repentina do sonho para a "realidade"... neste sentido o tratamento visual ficou maravilhoso, no primeiro chute, quando o Cobb é jogado na banheira.

E quem sou eu para discordar da sua fala; "a coisa se concentraria na dificuldade e necessidade de se traduzir o desejo inconsciente para o consciente". Inclusive acho que o filme é exatamente sobre isto.

Quanto ao Moebius, ou a cinta de Moebius, eu pensei nela, mas eu fazia uma associação maior da cinta com o "Cidade dos Sonhos" do Lynch.

Abraço e obrigado pelos comentários!